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Na semana em que foi promulgada a Lei que institui o dia 7 de março como o dia nacional da Advocacia Pública, pouco se tem a comemorar no âmbito da Advocacia-Geral da União, especialmente no que toca às prerrogativas de seus membros, que se esperava seriam instituídas na nova Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União. Não é, infelizmente, o que se anuncia.

Tem circulado nas redes sociais e grupos de discussão virtual de várias entidades e carreiras da Advocacia Pública Federal o “suposto” anteprojeto da futura Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, o qual traria, dentre várias propostas, a possibilidade de que Advogados não concursados que vierem a ocupar cargos em comissão em Consultorias Jurídicas dos Ministérios, acima de determinado patamar, passariam a ser também membros da AGU, com todas as prerrogativas, como se concursados fossem. Não há confirmação de que seja a proposta do Governo, mas também não houve nenhuma negativa veemente quanto à sua origem.

Em resumo, segundo o suposto anteprojeto, um advogado que nunca foi aprovado em concurso público para o cargo de Advogado da União poderá, por indicação da autoridade administrativa, ocupar um cargo em comissão em uma unidade da AGU do Consultivo, cujas atribuições são tipicamente daquela carreira, e com todas as prerrogativas que um Advogado da União possuirá com a nova Lei Orgânica. A proposta vai na contramão de uma Advocacia Pública independente e voltada para a defesa do Estado e do interesse público, ou seja, de uma verdadeira Advocacia de Estado. Ao invés de fortalecer a AGU, enfraquece a instituição.

A Advocacia-Geral da União é instituição prevista no texto constitucional, e tem como atribuições a defesa judicial e extrajudicial da União, e a consultoria e assessoramento jurídico dos órgãos da Administração Direta do Poder Executivo (art. 131). O mesmo dispositivo prevê que o ingresso nas carreiras da AGU se dá por concurso público de provas e títulos, de modo a deixar bem explícito que o sentimento do legislador constituinte foi de dar a instituição um delineamento fundado no profissionalismo e na independência profissional, com profissionais selecionados através de procedimento isonômico e com igualdade de oportunidades a todos os bacharéis em Direito do país.

Esse delineamento é confirmado pelo artigo 132, que, quando trata das procuradorias estaduais, órgãos que prestam a mesma atividade de representação jurídica e assessoramento jurídico no âmbito dos estados, determina que tais atividades sejam executadas privativamente por procuradores do estado. Veda, portanto, qualquer possibilidade de que terceiros, não concursados, venham a ocupar tais cargos. Em face do princípio da “simetria” constitucional, obviamente, tal modelo também é aplicável aos outros entes federativos, principalmente a União.

A questão já foi por inúmeras vezes objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal no que concerne às procuradorias estaduais, julgados esses que podem ser utilizados por simetria também em relação às carreiras da Advocacia Pública Federal. Veja-se a seguinte ementa:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTOJURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE.

1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada.

2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos.

3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente.( ADI 4261 / RO – RONDÔNIA, AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, Relator(a): Min. AYRES BRITTO Julgamento: 02/08/2010 Órgão Julgador: Tribunal Pleno)

Com efeito, não é razoável que se venha pensar em modelo diferente para a Advocacia-Geral da União, especialmente quando se sabe que as grandes políticas públicas do País passam necessariamente por essa instituição, sendo, pois, mais do que necessário que tenha em seu corpo de advogados profissionais independentes e com grande cabedal técnico, o somente é possível de se assegurar mediante a porta estreita e democrática do concurso público.

Do ponto de vista da gestão pública se afigura como uma proposta completamente esdrúxula, e que inclusive acena para um rumo que se contrapõe ao que é recomendado internacionalmente para os órgãos de controle. A convenção interamericana contra a corrupção (Decreto 4.410, de 7 de outubro de 2002), por exemplo, recomenda que os Estados signatários “sistemas de recrutamento de funcionários públicos e de aquisição de bens e serviços por parte do Estado de forma a assegurar sua transparência, eqüidade e eficiência”, assim como realize “estudo de novas medidas de prevenção, que levem em conta a relação entre uma remuneração eqüitativa e a probidade no serviço público”.

Por outro lado, é injustificável que passados mais de 20 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988 ainda tenhamos o seu descumprimento pelo Governo Federal no que concerne à estrutura e funcionamento da Advocacia-Geral da União. A situação de permanência de pessoas não concursadas em órgãos da AGU já deveria há muito tempo ter sido regularizada, com a designação de concursados para a ocupação desses cargos. Não se pode transigir em matéria constitucional, e AGU certamente tem a grande responsabilidade de dar exemplo nessa seara.

Não se pode olvidar ainda outro aspecto relacionado a essa proposta: não foi discutida pelas carreiras que integram a AGU e a Advocacia Pública Federal. É preciso que a questão seja colocada de forma transparente, e que os maiores interessados, os membros da AGU, possam participar ativamente do processo de elaboração da Lei. Especialmente agora, que estamos em vias da entrada em vigor da nova Lei de Acesso a informação, em um momento em que a transparência certamente ganhará impulso na sociedade brasileira como princípio norteador da atuação do Estado em todas as searas.

A sociedade brasileira tem que estar alerta para projetos dessa natureza. Alguém concebe um servidor comissionado exercendo cargo de juiz, promotor, defensor público? Jamais. São funções essenciais à Justiça e como tal exercem funções extremamente relevantes para o país. Contudo, em relação à AGU ainda se entendimento diverso, pois essa ainda é a realidade que vivemos nos dias de hoje. A Associação Nacional dos Advogados da União repudia tal proposta, e atuará de forma incansável para que esse projeto não passe do que é até agora: mera conjectura.