Nesta sexta-feira (28) foi publicado no site JOTA o artigo intitulado “O MP não detém o monopólio do combate à corrupção”, assinado pela Presidente da ANAUNI, Márcia David.
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*Confira abaixo o artigo na íntegra:
O MP não detém o monopólio do combate à corrupção
Precisamos acreditar em nossas instituições, as quais devem fortalecer e apoiar-se mútua e harmonicamente
Dentre os vários temas candentes na atualidade no Brasil, um em especial vem despertando muitos debates nos últimos dias: o acordo de cooperação técnica (ACT) firmado entre o TCU, a CGU, a AGU, o STF e o Ministério da Justiça, instituindo diretrizes em matéria de combate à corrupção no Brasil, especialmente em relação aos acordos de leniência da Lei nº 12.846, de 2013 (LAC).
Referido documento, embora nele previsto, ainda não foi firmado pelo MPF/PGR, tendo havido manifestação contrária ao mesmo pela 5ª Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal. O argumento precípuo do MPF é o de que aquele órgão, titular da ação penal, deveria ser o único legitimado, ou, no mínimo, o seu protagonista central, a firmar o acordo. Há ainda argumentos no sentido de que órgãos do poder Executivo (como a AGU, a CGU e o Ministério da Justiça) seriam destituídos de isenção para celebrar acordos anticorrupção.
De partida, é importante lembrarmos que o combate à corrupção – a aos ilícitos em geral – não é uma tarefa assinada pelo Estado a “salvadores da pátria” ou “cavaleiros destemidos”, como frequentemente se pretendem os membros do Ministério Público. Combater a corrupção é tarefa do Estado em sua inteireza e demanda efetivas políticas anticorrupção, com o envolvimento de vários segmentos da sociedade e, principalmente, de vários atores estatais.
Há neste contexto um importante aspecto: a corrupção, fenômeno altamente nocivo ao Estado e à sociedade, alcança o Poder Legislativo, o Poder Executivo, o Poder Judiciário, o Ministério Público, os Tribunais de Contas, e outros tantos órgãos ou instituições públicas. E a realidade brasileira demonstra, infelizmente, que a corrupção consegue penetrar em todo o Estado e em todos os órgãos ou instituições estatais.
Por isso são pueris e destituídas de fundamento afirmações, por exemplo, no sentido de que órgãos vinculados ao Poder Executivo não conseguem desempenhar adequadamente atividades ou políticas anticorrupção, ou, então, de que somente órgãos estatais autônomos e independentes é que conseguem desempenhar adequadamente funções, atividades ou políticas anticorrupção.
O fundo bilionário que pretendia o MPF instituir com recursos advindos da operação Lava-Jato, diga-se, é um exemplo de tentativa de protagonismo indesejável para lidar com a questão: como alguns membros do MP poderiam decidir, sozinhos, o futuro de recursos que sequer lhes pertenciam?
Nem tanto ao céu, e nem tanto ao mar.
É preciso lembrar que a Constituição de 1988 professa a harmonia entre os Poderes da República, não havendo “superpoderes” ou “subpoderes”. E é por isso que ela conclama um agir harmônico, coordenado e cooperativo dos Poderes da República para, entre outros, se alcançar o objeto de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inciso I), o que, por óbvio, passa pelo combate a ilícitos, como é o caso da corrupção.
Nada mais justo, pois, que a “mesa” seja integrada por todos os interessados na colaboração – tanto da parte de quem cometeu o ilícito, quanto da parte do Estado lesado. O que observamos, pois, é que esse acordo de cooperação técnica, tão festejado por alguns e criticado por outros, conclama os principais atores anticorrupção a atuarem harmônica, cooperativa e coordenadamente na busca do que poderíamos chamar de fechamento do círculo de responsabilização dos infratores, tanto sob o aspecto da pessoa jurídica, em sede de acordos de leniência, como de pessoas físicas na seara penal.
Não existe, e nem deve existir, monopólio no combate à corrupção. A articulação conjunta, cooperativa e coordenada dos vários atores estatais com atribuição em matéria anticorrupção é o que gera a efetiva repressão aos ilícitos – e quanto aos acordos, é salutar para a construção de um ambiente com mais segurança jurídica, garantindo assim a recuperação do patrimônio público, sua correta destinação, e a responsabilização penal dos corruptores.
Prova disso é o resultado recorde que o Departamento de Patrimônio Público e Probidade, da Procuradoria-Geral da União, teve no primeiro semestre de 2020. Foram 895 milhões de reais recuperados ao erário; praticamente o dobro do ano passado inteiro.
Precisamos acreditar em nossas instituições, as quais devem fortalecer e apoiar-se mútua e harmonicamente. Isto é o amadurecimento institucional, isto é amadurecimento de nossa jovem democracia, e este é o caminho para o controle duradouro e permanente deste fenômeno tão nocivo para a sociedade e o Estado, que é a corrupção.
Márcia David – Advogada da União e Presidente da Anauni (Associação Nacional dos Advogados da União).