O recente cenário político do Brasil trouxe a nosso conhecimento algumas espécies exóticas de nossa fauna que certamente não gostaríamos de conhecer. Gafanhotos, sanguessugas e vampiros vêm infestando os noticiários, lembrando-nos o tamanho da corrupção com a qual ainda somos obrigados a conviver. Tais eventos, aliados a mensalões e reprováveis métodos de arrecadação de verbas eleitorais, fragilizam a nossa democracia, trazendo à tona a inevitável pergunta: Onde estão os órgãos responsáveis pela fiscalização e punição de tais condutas? Por que razão as mesmas continuam se repetindo reiteradas vezes, mesmo após sua exposição? Diversas são as instituições encarregadas da árdua tarefa de reprimir esses eventos; Tribunal de Contas, Ministério Público, Poder Judiciário e Polícia Federal são conhecidas pela sociedade por suas repetidas exposições na mídia, destacando suas atividades e atuação em cada caso concreto que chegue a conhecimento público.
Todos esses órgãos públicos têm em comum o momento de atuação. Agem sempre após a ocorrência do ilícito, seja investigando, denunciando ou condenando. São órgãos de repressão. Não se discute sua relevância ou eficiência, assim como também não se questiona o fato de que, mais eficiente que reprimir é prevenir. Neste momento, ganha destaque o trabalho elaborado pela Advocacia Pública. Prevista na Constituição Federal como exercente de função essencial à justiça, com a atribuição de prestar assessoria e representação jurídica, a participação da Advocacia-Geral da União na prevenção de irregularidades orçamentárias é decisiva. Por força de lei, nenhum administrador público pode assinar contratos ou convênios sem a aprovação prévia de um advogado público. Vale lembrar que tais contratos e convênios são atos anteriores e indispensáveis ao desembolso de verbas públicas. Tal exigência legal impõe à Advocacia Pública a função de primeiro e único órgão de controle preventivo da execução do orçamento público. Não bastas tal fato, não são raras as decisões do Tribunal de Contas da União e do Poder Judiciário responsabilizando o advogado parecerista pela aprovação de licitação ou convênio que tenha se mostrado lesivo aos cofres públicos.
Diante de tais circunstâncias, não é difícil vislumbrar a enorme relevância do papel da Advocacia Pública na proteção da sociedade, atuando preventivamente para rechaçar, logo em sua origem, a assinatura de contratos, convênios ou licitações que se mostrem fraudulentas ou nocivas. É fato que grande parte das fraudes orçamentárias são executadas em fase posterior à análise jurídica dos editais de licitação ou termos de contrato e convênios, mas também é fato que muitas delas dependem da direta conivência do advogado encarregado de sua análise jurídica. Basta lembrar os notórios casos de suspeitíssimos convênios de repasse de recursos públicos para ONGS sem qualquer fiscalização ou a aprovação de pedidos de aumento de valores contratuais, sem a devida comprovação da elevação dos custos das empresas contratadas, conforme exige a lei. A presença de um advogado independente e comprometido com a legalidade e probidade administrativa na prática destes atos traz, tanto à sociedade como ao administrador responsável, a certeza e a segurança da prática de um ato correto e transparente.
Somente ao executor orçamentário mal intencionado interessa um advogado submisso, controlado, incapaz de atuar com eficiência ou independência, pois estes piratas de verbas públicas querem a seu lado apenas um assessor jurídico que não os contrarie e aprove qualquer ato submetido à sua análise, principalmente aqueles que serão instrumento para o desvio e a pilhagem de verbas públicas. Por tais razões, a atividade de assessoria jurídica dos órgãos públicos é, por força constitucional, privativa aos advogados e procuradores concursados, integrantes de carreira formal e bem estruturada, que proporcione as condições ideais de remuneração e independência para o exercício de tão relevante função pública. A presença de estranhos aos quadros da Advocacia Pública em cargos de livre nomeação e exoneração representa não só usurpação de função privativa a servidor concursado, como também situação altamente lesiva aos interesses da sociedade, pois este estranho não possui a independência necessária ao exercício isento da função. Imagine um magistrado ou um membro do Ministério Público sem a vitaliciedade de seu cargo, sujeito a ser exonerado a qualquer instante, sem qualquer justificativa. Como poderia exercer sua função se, a qualquer momento, caso contrariasse interesses, pudesse ser simplesmente exonerado do cargo?
Tal situação é totalmente descabida, tanto para juízes e promotores, como para advogados públicos. Ocorre que tal absurdo é freqüentemente constatado em diversos órgão públicos. Cargos de assessoria jurídica, que deveriam estar ocupados por advogados concursados e independentes, encontram-se preenchidos por estranhos aos quadros públicos, totalmente desprovidos da necessária autonomia ao exercício isento exigido pela função, de mãos atadas e comprometidos com aqueles que os nomearam.
Conforme já exposto, muitas irregularidades, tais como as fraudes em compras de ambulâncias, verbas públicas doadas a ONGS sem qualquer fiscalização ou controle, superfaturamentos de obras ou dispensas indevidas de licitação, somente podem ser impedidas pela atuação firme de um advogado público fortalecido e independente. Um advogado somente poderá exercer livremente a relevante função de protetor do erário público se devidamente integrado a uma carreira independente e bem estruturada.
Júlio César Werneck Martins
Mestre em Direito
Advogado da União – Coordenador-geral NAJ/RJ