Em recente matéria jornalística relativa às propostas do Governo Federal para pagamento da correção das contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, determinada entidade rechaçava a idéia de se aumentar em meio ponto percentual o recolhimento mensal das empresas, diminuindo-se também em meio porcento o valor a ser repassado para as contas vinculadas dos trabalhadores, tudo com a finalidade de capitalizar o fundo administrado pela Caixa Econômica Federal.
Não é, nem de longe, nosso objetivo perquirir sobre a viabilidade ou não dessa proposta. O que nos chamou a atenção foi a declaração da tal entidade, algo como: “não queremos que a sociedade pague a conta; quem deve pagar é o governo”.
Essa assertiva não choca o cidadão comum. E isso é gravíssimo! É bem verdade que a terminologia jurídica é, não raro, muito mal empregada e menos ainda compreendida por quem não é da área. A culpa, nas mais das vezes, é dos próprios juristas, que não se fazem compreender pelo público leigo. Aqui, no entanto, o problema não é de emprego de termos jurídicos, mas de verdadeiro equívoco em que incorre boa parte da (mal informada?) comunidade brasileira. Por trás desse equívoco está uma idéia completamente desvirtuada a respeito do que é governo, Estado e sociedade.
Voltemos à supracitada declaração. Pretender que o governo pague a conta, não só do FGTS, mas qualquer conta, demonstra profunda incompreensão do que é ser administrador da coisa pública. Sim, pois o governo nada mais é do que o braço do poder estatal encarregado da gestão dos recursos públicos, do planejamento e execução das chamadas políticas públicas (voltadas para as diversas áreas de interesse do Estado e da população), da administração, enfim, da escassez.
Como mero gestor da coisa pública, o governo não tem, ele mesmo, centavo algum. Quem tem é o Estado, que é a sociedade politicamente organizada. Somente o Estado (e não o governo) tem personalidade jurídica que o habilita a ser titular do direito de propriedade. Patrimônio do Estado portanto, é sinônimo de patrimônio da sociedade.
Em outras palavras, dinheiro que sai do Tesouro Nacional não é dinheiro do governo, mas dinheiro da sociedade. Essa é a realidade, a qual faz com que a malfadada frase comentada nesta coluna tenha o seguinte significado: “não queremos que a sociedade pague a conta; quem deve pagar é a sociedade”.
Notado o absurdo, cabe a indagação sobre a pertinência destes comentários numa publicação voltada para a Advocacia de Estado.
A resposta é simples, embora muita vez marginalizada: como advogados públicos, somos defensores não do governo, mas do patrimônio da sociedade, da res publicae. Essa idéia, a despeito de sua obviedade, é cotidianamente ignorada não só pela sociedade civil, mas pelas próprias autoridades judiciárias.
Há juízes que condenam a Fazenda Pública com o prazer de quem manda recado ao governo, ou às pessoas a ele vinculadas. Tal conduta, eventualmente motivada até por um patriotismo de quem quer ver em melhores lençóis a realidade político-social do país, retira a imparcialidade indispensável para caracterizar o bom e velho due process of law.
Propomos, portanto, que, no exercício de nosso múnus público, deixemos claro a questão social invariavelmente envolvida, de sorte que a Fazenda Pública passe a ser por todos encarada não mais como uma face do governo, mas como a personificação do desvalido bolso do cidadão brasileiro.
Brasília (DF), fevereiro de 2.001.
Autor:
Milton Toledo Junior – Advogado da União