NOTA À SOCIEDADE:
PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR N. 205/2012
A ANAUNI – Associação Nacional dos Advogados da União, entidade de classe de âmbito nacional, vem a público manifestar-se acerca de entrevista coletiva concedida à imprensa pelo Advogado-Geral da União, Luis Inácio Lucena Adams, ocorrida nesta quarta-feira (12/09).
Inicialmente, ressalte-se que a atuação da ANAUNI, em seus 16 (dezesseis) anos de existência, sempre respeitou a Constituição de 1988. Independentemente das circunstâncias políticas, esta associação age com base nos princípios constitucionais, tendo por fim a defesa das prerrogativas dos Advogados da União visando ao desenvolvimento da sociedade brasileira.
Pela leitura dos arts. 37, inciso II, e 131, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, resta claro que os membros da Advocacia-Geral da União devem ser aprovados em concursos públicos de provas e títulos, ressalvado somente o cargo de Advogado-Geral da União, que é de livre nomeação pelo Presidente da República.
Desta forma, causa espécie ver o atual Advogado-Geral da União defendendo o Projeto de Lei Complementar n. 205/2012, que permite a ocupação de vários cargos da instituição sem a prévia aprovação em concurso público. Na tentativa de inovar a ordem jurídica, a referida autoridade veio a público defender a presença de servidores comissionados em órgãos da AGU, afirmando que está “fortalecendo e preservando espaços que são próprios das escolhas de processo de sucessão”.
Ora, é mais do que sabido que, na vigente ordem constitucional, o Governo é legitimamente eleito. Todavia, é igualmente certo que não pode o governante ocupar, com absoluta liberdade, todo e qualquer “espaço” no serviço público, sem a observância dos preceitos constitucionais.
O Supremo Tribunal Federal, este sim responsável pela “guarda da Constituição”, já entendeu “não haver lugar para nomeações em comissão de servidores públicos que venham a ser designados, no âmbito do Poder Executivo, para o exercício de funções de assistência, de assessoramento ou de consultoria na área jurídica” (vide medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 881/ES). Sobre o tema, a Excelsa Corte se manifestou ainda na ADI n. 3819/MG, quando tratou da ocupação de cargos de Defensor Público por pessoas não concursadas, e ressalvou que “a exigência de concurso público como regra para o acesso aos cargos, empregos e funções públicas confere concreção ao princípio da isonomia”. Da mesma forma na ADI 4261, cujo relator foi o Ministro Ayres Britto, ficou definido que a atribuição de assessoramento jurídico aos Estados é privativa de membros da respectiva carreira de Procurador de Estado.
É incoerente a afirmação do Advogado-Geral da União no sentido de que a lei atual reserva 66 cargos de ocupação exclusiva na AGU para Advogados Públicos e que o Projeto de Lei Complementar n. 205 aumentaria essa reserva legal para em torno de 350 cargos. Trata-se de mero reconhecimento da atual situação fática vivenciada na instituição: todos esses cargos já se encontram devidamente ocupados por membros concursados, praxis consolidada ao longo dos últimos 15 anos que tem trazido resultados positivos à sociedade.
Necessário esclarecer que a lei atual (Lei Complementar n. 73/1993) determina que os postos-chave da instituição sejam ocupados por membros de carreira. O que o Ministro Adams omitiu em sua entrevista é que tais postos-chave (Procurador-Geral da União, Consultor-Geral da União, Secretário-Geral de Contencioso, Procurador-Geral da Fazenda Nacional, Adjuntos do Advogado-Geral da União, Corregedor-Geral da União), atualmente ocupados por membros de carreira, poderão ser destinados a pessoas não concursadas, ao bel prazer da vontade política do governo. Formalizar legalmente a praxis não produziria qualquer efeito positivo se vier acompanhada da possibilidade de indicações meramente políticas para os postos-chave. Isto representa um flagrante retrocesso. Aliás – deve-se frisar – o fato de no passado ter ocorrido a ocupação de tais cargos por profissionais não integrantes das carreiras da AGU decorreu, única e exclusivamente, da necessidade de estruturação do órgão então criado pelo Constituinte de 1988, realidade totalmente divorciada da atualidade.
No que se refere à “hierarquia técnica” prevista no projeto de lei complementar, tem-se outra impropriedade na exposição do Advogado-Geral à imprensa. Afirma o Ministro Adams que há sérios riscos de que os cerca de 8 mil advogados públicos produzam entendimentos jurídicos individuais, discrepantes à atuação estratégica-institucional. Ora, é preciso deixar claro que atualmente os Advogados da União subordinam-se às Orientações Normativas e às Súmulas Administrativas expedidas pelo Advogado-Geral da União. Trata-se, contudo, de um poder normativo (abstrato e erga omnes), não se confundindo com um suposto poder hierárquico (de dar ordens concretas, atendendo a interesses específicos).
Portanto, o que se pretende com o Projeto de Lei Complementar n. 205 é o estabelecimento de uma verdadeira mordaça, totalmente diferente do atual sistema de uniformização de entendimentos jurídicos. Com efeito, caso o projeto seja aprovado, o parecer contrário ao entendimento da chefia imediata constituiria falta funcional (erro grosseiro), à luz do proposto art. 26, § 6º. E isso se agrava quando se observam os arts. 2º-A e 58, que permitem a nomeação de pessoas não concursadas para ocupar postos-chave também nas Consultorias Jurídicas junto aos Ministérios.
Ademais, não se pode olvidar do trabalho de excelência realizado pelos Advogados da União nos últimos anos em defesa do Estado Brasileiro, seja no âmbito do contencioso ou do consultivo, fato reconhecido por todo o meio jurídico. Nesse contexto, a AGU, através de profissionais concursados, tem-se notabilizado pela prestação de um moderno serviço público, como espera a sociedade brasileira do século XXI, especialmente no progressivo combate à corrupção e na recuperação de dinheiro público desviado, como destaca relatório aprovado pela ONU no início do corrente mês (toma-se como exemplo a recente transação visando à devolução de quase meio bilhão de reais decorrentes de desvios realizados na construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo).
Sendo assim, decorridos mais de vinte anos desde a promulgação da Constituição Federal, o atual Advogado-Geral da União parece ter uma visão particular do Estado brasileiro. Fazendo um contraponto entre o concurso público e a legitimidade política dos governantes, causa espécie que se fale em “espaços que são próprios das escolhas de processo de sucessão”.
Certamente, a democracia não se fortalece com a partidarização e a politização dos serviços públicos de natureza técnica. Com efeito, respeitar o concurso público é garantir uma Administração eficiente, isonômica, proba e transparente. Se isso deve ser reconhecido por qualquer governo, com mais razão deve sê-lo pelo Advogado-Geral da União.
Brasília, 13 de setembro de 2012.