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Diante da nota técnica conjunta, de 05 de agosto de 2015, elaborada pela Associação dos Juízes Federais – AJUFE, pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, pela Associação Nacional dos Procuradores da República – ANPR e pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, vem a Associação Nacional dos Advogados da União – ANAUNI tecer as seguintes considerações:

A referida nota visando artificialmente conferir um status hierárquico subalterno aos advogados públicos, tenta, a todo custo, justificar o fosso salarial existente atualmente entre os advogados públicos e as demais Funções Essenciais à Justiça.

É importante destacar que os integrantes das referidas associações recebem cerca do dobro da remuneração dos advogados públicos no presente momento, uma vez que além do subsídio, recebem auxílio-moradia, adicional de substituição, gratificação por exercício de chefia, férias de 60 dias, além de inúmeras verbas e adicionais que geram uma disparidade bastante significativa em relação à AGU, que apenas será reduzida, mas não eliminada pela PEC 443. Assim, a PEC da AGU não gera equiparação, pois não abrange os diversos auxílios e adicionais percebidos pelos magistrados e membros do Ministério Público. Mesmo com a aprovação da PEC 443, os Advogados da União continuarão com remuneração inferior à Magistratura e ao Ministério Público, uma vez que os adicionais e auxílios referidos não serão estendidos pela PEC 443, a qual apenas trata dos subsídios dos membros da AGU.

Frise-se que, no presente, os advogados públicos não recebem os honorários referidos na equivocada nota, uma vez que o novo Código de Processo Civil, que somente entra em vigor em março de 2016, prevê a necessidade de uma nova lei para disciplinar o pagamento dos honorários, sendo que o projeto dessa lei regulamentadora ainda nem foi enviado para o Congresso Nacional, havendo dúvida nas carreiras da Advocacia Pública Federal se tais honorários sequer alcançarão patamar considerável.

A nota em questão foi por demais infeliz ao manifestar claro intento discriminatório em relação aos advogados públicos, os quais são em última instância advogados (art. 3°, §1°, da Lei 8.906/1994), de maneira que não há qualquer hierarquia entre advogados, juízes e integrantes do Ministério Público, conforme determina o art. 6º, caput, da Lei 8.906/1994.

O que a nota das insignes associações corporativas não percebe é que há, sim, semelhança no grau de responsabilidade e complexidade das atribuições entre juízes, membros do MP e advogados públicos. O próprio incômodo revelado pela nota já demonstra que os responsáveis pela feitura do texto, ora impugnado, acreditam que no processo judicial, locus em que juízes, procuradores e advogados labutam, há uma hierarquia, como se o advogado funcionasse como mero coadjuvante. Trata-se de raciocínio equivocado, que ignora a história do processo e as conquistas civilizatórias consagradas na Constituição Federal e na Convenção Americana de Direitos Humanos, onde princípios como o contraditório e ampla defesa, por exemplo, fazem com que a solução das lides ocorra pela atuação conjunta das partes, dos advogados e dos juízes, cada um cumprindo com seu papel nos termos da Constituição e das leis.

Para melhor se entender o equívoco da aludida nota, é preciso perceber a essência da advocacia. A advocacia é o veículo através do qual o jurisdicionado comparece em juízo para exercer o seu direito à prestação jurisdicional. É por meio da advocacia que o jurisdicionado se apresenta em juízo como cidadão e não como súdito, de maneira que em uma sociedade onde todos são iguais e todos, inclusive os juízes, estão submetidos às leis, procurar desvalorizar e hierarquizar a relação entre o juiz e o advogado é, indiretamente, querer hierarquizar a relação entre o juiz e o cidadão. Ao contrário do que parece ser extraído da nota questionada, o cidadão se encontra submetido a uma relação de autoridade diante do juiz, mas não está submetido hierarquicamente a ele. Tais relações de autoridade, no Estado Democrático de Direito, são regidas pela lei e por regras de competência e ocorrem em diversas situações para além do processo judicial, sendo que, em outro momento, os juízes também estarão submetidos a essa relação de autoridade diante de outro servidor pertencente a outro Poder ou no próprio Poder Judiciário, como, por exemplo, quando prestam sua declaração de Imposto de Renda, quando requerem um passaporte, quando precisam ingressar em juízo em suas causas particulares, ocasião em que os juízes precisarão de um advogado para tanto.

O mesmo raciocínio desenvolvido acima acerca da advocacia privada vale, mutatis mutandis, para a advocacia pública, pois é através dessa procuratura constitucional que o Poder Público se faz representar em juízo, de maneira que ao pretender atribuir uma relação hierárquica entre os juízes e os advogados públicos, a infeliz nota acaba por, reflexamente, situar o Poder Judiciário acima dos Poderes Legislativo e Executivo quando estes figuram como partes em juízo, ocasião em que são representados pela AGU. Tal visão equivocada representa claro comprometimento da independência e harmonia entre os Poderes.

É importante destacar que a Advocacia Pública, tal como o Ministério Público e a Defensoria Pública encontram-se no mesmo patamar constitucional, pois compõem as Funções Essenciais à Justiça (Título IV, Da Organização dos Poderes, Capítulo IV, Das Funções Essenciais à Justiça, Constituição Federal).

Além disso, é preciso destacar que não há qualquer hierarquia (art. 18 da Lei 8.906/1994) entre o advogado público e o poder público, da mesma forma que não há subordinação entre o advogado privado e seu cliente, não podendo haver confusão entre a figura do advogado público e do ente público representado. A AGU defende em juízo a União, isto é, defende o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o próprio Poder Judiciário. Aliás, é importante esclarecer que a Advocacia Pública, como Função Essencial à Justiça, não integra o Poder Executivo, como várias vezes já reconhecido pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal.

Frise-se, ainda, que, do ponto de vista remuneratório, já existe clara sinalização acerca da simetria entre os advogados públicos e integrantes das demais Funções Essenciais à Justiça, tal como previsto no art. 37, XI, da C.F.

É de se lamentar, em especial, a postura da ANPR, a qual, através da referida nota, militou contra a própria história da carreira de Procurador da República, que, oriunda da ditadura militar e mais antiga, também passou pelas mesmas dificuldades e desafios hoje enfrentados pelas carreiras co-irmãs da Advocacia Pública e Defensoria Pública, tendo provavelmente sido vítima da mesma resistência e preconceito que hoje infelizmente projeta sobre os advogados públicos. É bom lembrar que até 1988 os Procuradores da República (por isso têm esse nome) exerciam as mesmas funções dos Advogados da União e faziam a defesa da União em juízo, tendo, inclusive, opção constitucional de mudar de carreira passando a integrar a AGU (Art. 29, §2°, ADCT, C.F.).

Por fim, apesar de os advogados públicos não pertencerem ao Poder Executivo, a ANAUNI também precisa desmistificar uma afirmação errônea contida na nota, a qual parece atribuir uma pecha de inferioridade a todo funcionalismo do Poder Executivo, uma vez que não há qualquer preferência constitucional em relação ao Poder Judiciário e não há qualquer regra que determine que o Poder Judiciário é superior, mais nobre e relevante que o Poder Executivo, sendo cada um importante e relevante de acordo com suas especificidades e atribuições. Assim, acredita-se que a nota veicula uma visão elitista e discriminatória em relação a todo funcionalismo público federal e desconsidera inclusive o disposto no art. 37, XII, da C.F.

Ao contrário do afirmado na nota conjunta, o Poder Judiciário e o Ministério Público brasileiros gozam de autonomia e independência sem precedentes mundo afora. Contudo, é preciso haver freios e contrapesos, sob pena de verdadeira ameaça à democracia em nosso país. Uma rápida leitura do direito comparado permite verificar que há uma hipertrofia do Poder Judiciário brasileiro que não se repete em nenhum lugar do mundo.

Esclareça-se, ainda, que o CNJ e CNMP são formados, em sua quase totalidade, por integrantes do próprio Poder Judiciário e Ministério Público e não são considerados órgãos de controle externo, mas partes integrantes do Poder Judiciário e do Ministério Público (art. 92, I-A e art. 130-A da C.F.).

Desse modo, o fortalecimento da AGU é uma necessidade basilar do sistema político-jurídico brasileiro, a fim de garantir o mínimo de independência em favor do Poder Executivo e do Poder Legislativo, sendo uma medida fundamental, dentre outras, para restabelecer o equilíbrio entre os Poderes.

Ao contrário do que diz a errônea nota, é importante destacar que ao Advogado da União é vedado o exercício da advocacia fora das atribuições do cargo, além do que sofre intensa fiscalização pela Corregedoria da AGU e pelo Tribunal de Contas da União, de sorte que um deslize de um Advogado da União pode implicar em real responsabilização, sendo que o alto grau de responsabilidade do advogado público reside, portanto, na efetiva possibilidade de ser punido por uma atuação errada, o que não ocorre com o juiz, por exemplo, que ao decidir de forma equivocada simplesmente não pode ser responsabilizado, exceto em caso de dolo e má-fé. Responsabilidade, portanto, significa possibilidade efetiva de ser responsabilizado.

Em verdade, a ANAUNI considera que, ao invés de ver a Advocacia Pública como adversária, deveriam as associações subscritoras da errada nota perceber que a Advocacia Pública pode ser uma parceira qualificada do Poder Judiciário e do Ministério Público, sobretudo por meio da atividade de consultoria jurídica, no que diz respeito ao combate preventivo à corrupção, já que todas licitações e contratos públicos estão sujeitos à assessoria e consultoria dos Advogados da União, bem como quanto à redução da avalanche de litígios desnecessários envolvendo o Poder Público, que podem ser evitados em seu nascedouro pelos Advogados da União ao orientarem juridicamente a Administração Pública, inclusive por meio da difusão da jurisprudência no âmbito do Poder Executivo. Portanto, uma agenda construtiva e altiva entre as carreiras seria muito mais útil que uma disputa corporativa na qual o cidadão e a sociedade são os maiores derrotados, ao passo que os Poderes Legislativo e Executivo são cada vez mais apequenados e acossados.

Desse modo, a ANAUNI lamenta a postura das associações subscritoras da nota e contesta com veemência o seu teor, que não se sustenta juridicamente e se resume a um conjunto de afirmações que militam contra o aperfeiçoamento e fortalecimento de outras instituições estratégicas do Estado brasileiro, de modo que vem reiterar a importância da valorização da Advocacia Pública como instrumento de defesa da democracia, do combate à corrupção, de acesso à Justiça na via administrativa e judicial e do equilíbrio entre os Poderes.

 

Brasília, 06/08/2015

Bruno Moreira Fortes

Presidente da Associação Nacional dos Advogados da União – ANAUNI