A Associação Nacional dos Advogados da União – ANAUNI vem, através desta, externar sua preocupação com o PL nº 10.887/2018, em trâmite na Câmara dos Deputados, sob a relatoria do Deputado Carlos Zarattini (PT-SP). A referida proposição visa alterar a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, que dispõe sobre a improbidade administrativa.
O ato normativo vigente conta com mais de 27 (vinte e sete) anos de existência, e certamente necessita de atualizações e aprimoramentos no sentido de se adequar às mudanças ocorridas na sociedade e de trazer mecanismos cada vez mais eficientes na defesa da probidade administrativa e no combate à corrupção, sem olvidar da preocupação de evitar eventuais excessos e abusos na aplicação da norma.
Ocorre que os contornos em que apresentada a proposta para ser votada no plenário da Câmara dos Deputados representa um verdadeiro retrocesso, indo na contramão da finalidade da proposição normativa.
Com efeito, há vários pontos do projeto que reclamam atenção de vários setores da sociedade brasileira e, caso aprovados, irão dificultar sobremaneira a punição de agentes públicos responsáveis pela malversação de recursos públicos e pelo desvio de condutas no pleno exercício da função.
Entre esses pontos de preocupação, exalta-se a vinculação automática com as instâncias criminais; a exclusão da culpa grave como elemento subjetivo dos atos de improbidade administrativa ainda que gerem prejuízos ao erário de grande monta; o afastamento da solidariedade no ressarcimento do dano, bem como a exclusão da legitimidade do ente público lesado de propor a demanda e de celebrar eventuais acordos.
Nesse cenário, ainda que todos tenham uma gravidade relevante, cabe o destaque a exclusão da legitimidade do ente público lesado de propor a demanda, face à sua incoerência com o sistema normativo constitucional vigente.
Assim, entende-se, na medida em que a Carta Magna impõe à União junto com os demais entes federativos, o dever de zelo pelo patrimônio público, nos termos do art. 23, inciso I, da CF, do qual decorre a necessidade de atuar concretamente na defesa do bem jurídico transindividual da moralidade e da probidade administrativa, consoante preconizado no art. 37 da Constituição Federal e em tratados do qual o Estado é signatário – Protocolo de Defesa da Concorrência no Mercosul; Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção; Convenção sobre Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da OCDE; Convenção Interamericana Contra a Corrupção da OEA.
Por esse motivo, no âmbito da União, a atuação na defesa da probidade se revela um campo que vem gerando resultados expressivos à sociedade, seja sob a ótica da recuperação de ativos desviados do erário, seja no plano da responsabilização de agentes praticantes de atos de corrupção, inclusive vencedora do Prêmio INNOVARE, Edição VIII, do exercício de 2011. Com efeito, nos últimos cinco anos, teriam sido ajuizadas mais de 300 ações de improbidade administrativa pela Procuradoria-Geral da União, com o pleito de mais de 35 bilhões de reais, batendo o órgão, no ano de 2020, o recorde de arrecadação ao erário, no importe de R$ 1,12 bilhão.
Outrossim, a União vem atuando na celebração de acordos de leniência, a partir da assinatura de 14 (quatorze) acordos com empresas investigadas pela prática de atos lesivos previstos na Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), ilícitos administrativos previstos na Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993) e, também, ilícitos previstos na lei de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992). Os valores a serem ressarcidos envolvem pagamentos de multa, dano e enriquecimento ilícito. A previsão de retorno de recursos aos cofres públicos atingiu a marca de R$ 14,48 bilhões.
Nesse cenário, a proposta atual da alteração legislativa, além de implicar a impossibilidade da vítima de buscar o seu direito à reparação do dano e à punição dos atos ímprobos (art. 129, IX c/c art. 131, da CF), subtrai de forma injustificada do plano de ação do Estado a atuação de órgãos em prol do combate à corrupção e na recuperação de ativos.
Temos a confiança de que o Congresso Nacional, empático do retrocesso que a medida representa, irá reformular a proposta a permitir a continuidade dos trabalhos e da atuação eficiente e responsiva que vem promovendo a União na tutela da probidade administrativa.
Clóvis dos Santos Andrade
Presidente da ANAUNI