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A proposição jurídica não tem conteúdo fixo; os conceitos com que trabalha o intérpreteaplicador (e.g. o juiz) não têm valores determinados; a ordem jurídica não contém em si, já dada, para cada caso, pelo menos uma regra aplicável. Partindo-se dessa premissa, a aplicação de uma proposição jurídica tem de ser precedida da averiguação de seu conteúdo.

Na prática, a interpretação da lei e a sua aplicação a dada situação de fato não são processos mentais completamente separados um do outro; antes, se condicionam e interpenetram mutuamente. Um texto jurídico não se pode interpretar senão relacionando-o com problemas jurídicos concretos – reais ou imaginários; quer dizer, com soluções que se procuram para casos. Por isso, só na sua aplicação ao caso e na concretização que assim necessariamente se processa, é que se revela completamente o conteúdo significativo de uma norma e ela cumpre a sua função de regular situações concretas. Então, compreender sempre foi aqui aplicar, como ensina GADAMER.

Nesta medida, a aplicação, a aplicabilidade a um caso real ou simplesmente pensado, é um aspecto imanente da própria interpretação jurídica. A necessidade da interpretação de todos os textos resulta do fato de a maioria das representações e dos conceitos de linguagem corrente terem contornos imprecisos. O juiz tem que interpretar a lei sempre que a sua aplicação ao caso sob exame exija uma clarificação do seu conteúdo; sobretudo se o fenômeno a julgar está na zona marginal de um conceito ou de uma representação geral e não em seu domínio nuclear.

A interpretação deve ser válida para todos os casos da mesma espécie, do mesmo tipo, pois seria contrário à exigência da justiça tratar desigualmente casos iguais, e geraria insegurança permitir-se aos tribunais variar em torno de uma mesma expressão, no âmbito de determinada proposição jurídica. Embora os tribunais não estejam presos a determinada interpretação, sempre que mudem ou pretendam mudar de orientação, estarão obrigados a expor suas razões e estas têm que ser de tal ordem que possam sustentar a nova interpretação.

De fato, a atividade interpretativa do juiz está, tal como a ciência, subordinada à exigência da correção dos seus resultados, estendendo-se correção no sentido de razão suficiente de conhecimento. A correção deve ser lógico-formal e material, para que a atividade interpretativa seja considerada científica.

Mas qual o escopo do conhecimento: vontade do legislador ou sentido normativo da lei? Neste terreno, autores e tribunais emitem opiniões discrepantes; a oposição entre as duas concepções permanece até hoje; e isso ocorre muitas vezes dentro da mesma obra e especialmente na tomada de posição dos tribunais superiores. A polêmica contém, inclusive, uma conotação ideológica na sua raiz. Assim, levado a um extremo, podemos dizer que o subjetivismo favorece um certo autoritarismo personalista, ao privilegiar a figura do legislador, pondo sua vontade em relevo. Por sua vez, o objetivismo, também levado ao extremo, favorece um certo anarquismo, pois estabelece o predomínio de um eqüidade duvidosa dos intérpretes sobre a própria norma ou, pelo menos, desloca a responsabilidade do legislador na elaboração do direito para os intérpretes, ainda que legalmente constituídos, chegando-se a afirmar, como fazem alguns realistas americanos, que o direito é “o que decidem os tribunais”. Além disso, não deixa de ser curioso que, nos movimentos revolucionários, o direito anterior à revolução é relativizado e atualizado em função da nova situação, predominando aí a doutrina objetivista, muito embora, quanto ao direito novo, pós-revolucionário, tende-se a privilegiar a vontade do legislador e fazer prevalecer as soluções legislativas sobre as judiciais que, a todo custo e no máximo possível, devem a elas se conformar.

O fato de nenhuma das teorias poder prescindir da outra, i.e., ter de pedir-lhe algo emprestado, torna claro que cada uma detém apenas parte da verdade. A verdade só pode encontrar-se numa síntese, a qual, por seu turno, não se obtém juntando, simplesmente, as duas teorias, uma ao lado da outra; pois se assim procedermos, ao invés de chegarmos à verdade, estaremos produzindo um erro composto. O fato da vontade história atua como impulso criador, mas na forma que alcançou através do ato de criação do Direito.

A força normativa é atributo da lei como vontade jurídica geral objetivada; daí a pouca importância de se saber o que foi querido pelo legislador, se esse querer, afinal, não se materializou. A lei, como vontade expressa do legislador, traz em si a marca do seu tempo; mas como algo vigente na atualidade, muda também com o tempo; os dois momentos têm importância igualmente grande. Logo, ambos têm de ser levados em conta na interpretação. Os momentos subjetivos e objetivos se conjugam e se integram na formação do sentido normativo da lei.

A interpretação se torna controlável, vale dizer, segura, pela observância dos critérios, pelos quais o intérprete deve se guiar.Es copo da interpretação é a averiguação do sentido da lei (hoje) determinante; portanto, de um sentido normativo.

Autor:

Daniela Aben-Athar – Advogada da União