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*por Waldir Santos, Advogado da União, Delegado Titular da ANAUNI no Estado da Bahia

A vida me deu grandes amigos mais velhos. Sempre foi assim. Desde criança, por ser conversador e curioso, lá estava eu fazendo perguntas para quem sabia as respostas.

Na minha infância em São Filipe o nome de Roque Aras estava nos cartazes afixados nos muros da Rua Coronel Ceciliano Gusmão, onde eu morava. Dali saíram votos que ajudaram a elegê-lo deputado por duas vezes. Havia outros candidatos, um deles chamado Urbano, e, na minha lógica, Aras era mais próximo. Urbano é quem vive na cidade grande. A gente que é da roça “ara” a terra.

No ano 2000, quando ingressei na AGU, tive a sorte de dividir o ambiente de trabalho com Roque, que havia ingressado no primeiro concurso de Advogado da União, em 1996. Suas espontâneas aulas diárias de processo civil, Direito Administrativo e Constitucional, humanismo, Direito Civil, política, entre tantos outros temas, agraciavam a todos da procuradoria. Ali, ao meu lado, estava a resposta rápida para as dúvidas mais complexas. Estava o amigo atento e solidário para orientar e aconselhar os novatos.

Roque, que ingressou na AGU beirando os 65 anos, é o meu exemplo prático para quem pergunta se ainda tem idade para fazer concursos. Depois de uma profícua carreira em diversos setores da República, foi o único baiano entre os 33 aprovados do seu concurso. Entre muitos colegas do Brasil ele era tido como uma referência, por sua cultura jurídica e pelo currículo. Lembro-me que uma colega mineira, ao conhecê-lo em uma homenagem promovida pela Associação Nacional dos Advogados da União, indagou-lhe, emocionada e alegremente: “você existe de verdade?” .

Sua preocupação com os mais carentes e sua responsabilidade social o levaram a ministrar voluntariamente encantadoras aulas de Direito Constitucional em São Filipe, no Clube dos Concurseiros, juntamente com outros oito Advogados da União, o que resultou na aprovação, nos anos que se seguiram, de centenas de pessoas.

Ingressei na política institucional da OAB, com mais alguns advogados, a convite de Roque. Com a mesma bravura com a qual ajudou a eleger um grupo novo, que surpreendeu a hegemonia vigente, ele passou, eticamente, a opor-se aos desmandos constatados e posteriormente punidos em decorrência das ações, judiciais e administrativas, que juntamente com outros colegas propusemos.

Anos depois, quando expus a ideia de me filiar a um partido político, ele, que havia anos estava afastado dessa atividade, disse: “vamos escolher um partido, e eu vou me filiar também”. Trouxe 4 alternativas e conversamos sobre elas. Pouco tempo depois, pelo conhecido histórico que trazia, era eleito presidente estadual do partido por unanimidade, em memorável convenção realizada na Fundação Visconde de Cayru.

Com uma escrita impecável e vasto saber, Roque sempre teve nas letras uma arma poderosa, herança de seu pai Zé Aras, autor da obra, entre tantas outras, “No Sertão do Conselheiro”, que ele orgulhosamente editou e divulgava. Roque dominava a arte de escrever com habilidade rara. Profundo, preciso, claro e convincente, sem se afastar da erudição.

O convívio profissional, a comunhão de ideais e a disposição para as lutas criaram uma legião de admiradores que não poupavam elogios ao nosso amigo, ao que ele sempre reagia com sincera e engrandecedora humildade. Muitas foram as homenagens feitas em vida, mas nenhuma esteve ou poderia estar à altura do homenageado, que corava, em sua simplicidade, ante aos encômios, já em seu início. Todo preito que lhe oferecemos sempre foi pequeno ante sua grandeza, mas por ele era visto como excessivo. Lembro de algumas vezes em que Roque tentava mudar de assunto quando alguém lhe dirigia elogios em público.

Sua sinceridade e firmeza eram inspiradoras. Sem nunca perder a civilidade, não poupava de críticas aqueles que as mereciam. Colocava as coisas no lugar por meio do uso adequado de sua vigorosa palavra, fruto de rara inteligência e talhada na poeira da estrada percorrida.

Em uma das viagens que fizemos, Roque aproveitou para entregar, na periferia de Feira de Santana, os cheques que pertenciam a alguns clientes, referentes ao valor a que tinham direito pela vitória em uma demorada ação judicial. Era uma causa já perdida no TJBA, que ele assumiu e conseguiu reverter, anos depois, em Brasília, quando os autores não tinham a mínima esperança. Lembro-me de uma senhora que perguntou por que ele estava procurando aquele cidadão, e, ao saber do cheque, em lágrimas, disse: “sou a viúva dele. Já não temos o que comer e eu pensei que era mais alguém cobrando alguma dívida dele”. O seu empenho em fazer justiça não se esgotava com o fim da ação judicial.

Roque sempre demonstrou extremo amor e orgulho em relação aos filhos e netos. Sua preocupação e seu cuidado eram permanentes, externando responsabilidade mesmo quando o decurso do tempo já havia invertido os papéis. Ainda que já fosse ele o merecedor da maior atenção da família, agia sempre como cauteloso e devotado protetor. Ante cada vitória de um deles, seu orgulho escapulia em mensagens enviadas aos amigos mais próximos, que com ele comemoravam.

Roque sempre tratou os amigos como tesouros. Não lhes faltava. Articulava ajuda de uns em relação aos outros e não media sacrifícios para incentivar e apoiar com ações concretas suas iniciativas. A aposentadoria lhe deu mais tempo para as lutas, e sua produtividade se ampliava. Continuava o velho Roque como fonte de soluções rápidas e eficazes para aqueles problemas que pareciam difíceis. Era o amigo permanente e infalível. Vejo nesta triste manhã inúmeras manifestações de gratidão e admiração, fruto de uma vida exemplar.

Sua ética, seu ímpeto cidadão, sua capacidade de indignar-se, e mais que isso, de transformar a indignação em ação, mantiveram-se sempre no patamar próprio dos grandes homens. Homens que deixam a vida terrena e legam sua história como exemplo valioso e inspirador. Homens que merecem a eterna lembrança dos justos, e que nos encarregaram de conduzir a humanidade ao elevado descansilho que para ela sonharam.

Obrigado, Roque. Cumpriremos a nossa missão.

*por Waldir Santos, Advogado da União, Delegado Titular da ANAUNI no Estado da Bahia