Embora não concordemos com o manejo indiscriminado de recursos e incidentes processuais tendentes, simplesmente, à procrastinação dos processos, não podemos nos afastar da realidade de que, em atenção ao princípio da indisponibilidade do patrimônio público, cumprenos lutar, em todas as instâncias, para reverter uma situação jurídico-processual desfavorável ao ente estatal defendido. É lógico que, para isso, é necessário o mínimo de possibilidade de reversão dessa situação jurídica, de modo a afastarmo-nos, de vez, dos institutos meramente protelatórios.
O sistema recursal brasileiro já concede às partes inúmeras chances de insurgirem-se contra eventuais decisões contrárias a seus interesses. Não obstante, ocorre, por vezes, de uma sentença transitar em julgado e ter iniciada sua execução para, somente então, ser plotada uma nulidade processual.
O sistema de nulidades, por sua vez, faz diferença entre a nulidade absoluta e a relativa. Esta última, se não argüida no momento processual oportuno, qual seja a primeira oportunidade em que a parte prejudicada pronunciar-se nos autos, é considerada sanada e não mais poderá ser objeto de discussão.
Quando, todavia, verifica-se, no processo de conhecimento, uma nulidade absoluta, pouco importa o momento processual da suscitação de tal irregularidade, pois nulidades absolutas não se convolam com o tempo.
Havendo sentença transitada em julgado, tem-se algumas possibilidades de ventilação da questão, como a ação rescisória e os embargos à execução, ambas sujeitas a prazos peremptórios. Mas e quando não for mais possível a oposição dos embargos? Está a parte obrigada a promover a rescisão da sentença? E se o próprio prazo para a rescisória já se tiver esgotado?
Se houver nulidade absoluta no processo de conhecimento, a parte terá, a qualquer tempo, a possibilidade de lançar mão de um instituto relativamente recente no nosso Direito Processual: a objeção de pré-executividade.
A propósito, cabe salientar que recente é a rotulação doutrinária do instituto. Em verdade, os fundamentos para a suscitação de nulidades absolutas mesmo após o trânsito em julgado da sentença e independentemente de embargos do devedor já existiam. Os processualistas, nos últimos anos, apenas cuidaram de estudar as questões lançadas acima e pensar uma solução. Em outras palavras, a objeção de pré-executividade é um exemplo de construção do Direito, mas não de criação propriamente dita.
Neste ponto, cumpre ressaltar que boa parte da doutrina refere-se ao instituto em análise como “exceção de pré-executividade”. Entendemos indevida a utilização do termo “exceção”, que se presta à argüição das chamadas nulidades relativas e processa-se, via de regra, em autos apartados. Já as nulidades absolutas, únicas a ensejar a argüição em qualquer tempo e grau de jurisdição, são suscitadas por meio de objeção. Daí ser, tecnicamente, mais acertada a expressão “objeção de pré-executividade”.
Mas, então, o que vem a ser a comentada objeção? A objeção de pré-executividade nada mais é do que a argüição, nos próprios autos da execução, por simples petição e sem maiores formalidades, de questão de ordem pública, a qual, pela própria natureza (ordem pública), deve ser conhecida até mesmo ex officio pelo juiz. Embora a jurisprudência já tenha enfrentado a questão e concluído pela possibilidade de se argüir nulidades absolutas — que representam matéria de ordem pública — nos próprios autos da execução, temos observado que alguns magistrados ainda são reticentes na admissão da objeção de pré-executividade como meio idôneo não só para trancar o processo executório, como para anular todos os atos processuais, anteriores à própria constituição do título executivo (daí a expressão “pré-executividade”), contaminados pela nulidade suscitada.
Com a devida vênia, tal reticência é despropositada, pois o magistrado tem o dever de zelar pelo interesse público e, com isso, declarar, ex officio, como já alinhavado, as nulidades insanáveis das quais tomar conhecimento. A parte, ao manejar a objeção, apenas aponta ao juiz a nulidade, a questão de ordem pública que o magistrado tem obrigação de conhecer e resolver. Se a obrigação é do Estado-Juiz, irrelevante é a forma pela qual chega ao conhecimento do Judiciário a nulidade a ser pronunciada, não havendo que se falar em descabimento ou inoportunidade processual.
Dessa forma, se, já instaurada a execução, for constatada uma nulidade absoluta ocorrida ainda na fase de cognição (como, por exemplo, a falta de intimação pessoal do representante judicial da União, a não submissão do feito ao duplo grau de jurisdição obrigatório, dentre outros), deve o advogado público apresentar a objeção de pré-executividade, apontando a questão de ordem pública e postulando (exigindo) o pronunciamento da nulidade, com todas as suas conseqüências processuais.
Brasília (DF), novembro de 2.000.
Autor:
Milton Toledo Junior – Advogado da União